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quinta-feira, 10 de março de 2016

Walter Taverna e a SODEPRO - FESTA DO SANFONEIRO - Afinador faz arte em sanfona

Por trás de um fole bem puxado e bem tocado, é preciso ter as mãos de um afinador de boa habilidade e ouvido



Iguatu. No Nordeste, onde o forró é estilo musical característico, e a sanfona, parte integrante das bandas, há escassez de profissionais dedicados à arte de afinar e consertar o tradicional acordeom, também escrito como acordeão. Nos últimos anos, aumentou o número de grupos musicais e o sanfoneiro voltou a ganhar destaque. Entretanto, as pessoas esquecem que por trás de um fole bem puxado e bem tocado, é preciso ter as mãos de um afinador de boa habilidade e de bom ouvido.




No Ceará, contam-se nos dedos os bons afinadores de sanfona. Geralmente, são ex-sanfoneiros, que por um motivo ou outro, não seguiram a profissão de tocador. Com o tempo, dedicaram-se ao trabalho de remontar, consertar e afinar o instrumento musical característico do sertão. O surgimento de inúmeras bandas de forró, mesmo com o estilo eletrônico e às vezes de gosto duvidoso, acabou por contribuir para a divulgação do acordeom e despertar entre os jovens o gosto de ser tocador de sanfona.

Na cidade de Iguatu, na região Centro-Sul do Estado, distante 380km de Fortaleza, Francisco Chagas dos Santos, 68 anos, mantém uma oficina, ao lado da casa, no bairro Cohab. Há 20 anos, dedicou-se ao ofício de consertar e afinar sanfona de vários tipos, desde às mais simples às mais complexas. “Nunca faltou serviço, mas de um tempo para cá vem aumentando”, disse. “Às vezes ficou preocupado, porque os afinadores pertencem a uma geração que está partindo”.

Santos é um exemplo típico de um ex-tocador de sanfona que poderia ter seguido uma carreira profissional como músico, mas que em determinado momento decidiu parar de animar festas e shows para dedicar-se à arte de afinador de acordeom. “Talvez tenha sido medo, mas estou satisfeito com o meu trabalho”, diz. “Espero continuar ainda por algum tempo nesse meu trabalho”.

Paciência e humildade são características da maioria dos afinadores de sanfona. Chagas Santos não foge à regra. Em seu ateliê, anexo à sua residência, o artista dá atenção a quem lhe procura e, com jeito, calma e muito talento, vai desmontando o instrumento e descobrindo onde tem de mexer, consertar e, por último, afinar. É um trabalho que requer tempo e conhecimento das notas e escala musicais. “A afinação polida, que o mestre Luiz Gonzaga chamava de seca, às vezes leva cinco dias”, explica. “Quem toca e conhece o instrumento sabe da importância de se fazer uma boa afinação”.

Na região Centro-Sul, Chagas Santos é o único afinador de acordeom. Recebe instrumento de vários municípios e até de outros Estados. A influência veio de um vizinho, mestre Vitor, conhecido afinador de sanfona, que morava em Iguatu e era um dos preferidos do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, quando estava de passagem por esta região. “Comecei como ajudante. Depois aprendi com mestre Vanutério”, recorda. Santos tem três filhos, mas nenhum segue a mesma carreira.

De acordo com a tabela de preços, uma afinação custa R$ 250, com direito a encerar o cavalete, uma parte do instrumento. A reforma de fole custa R$ 500. Para desmontar e montar, que é um trabalho mecânico, o valor é o mais baixo, R$ 80. Se a sanfona é profissional, de alta qualidade, o serviço é mais caro, mas fica no “agrado do tocador”, assegura Chagas.

Ofício

Antes de dedicar-se à arte de afinador e consertador de sanfonas, Chagas Santos foi tocador. Quando criança, no sítio Bonsucesso, hoje Trussu, via Chico Faustino puxar o fole de oito baixos em sambas — era assim que se chamava as festas dançantes da época — nas casas dos agricultores. O pai, José Pedro dos Santos, era agricultor e músico, além de fabricar instrumentos de cordas.

Influência

Há influência musical na família. Na carreira de Chagas Santos inclui-se uma rápida passagem como cantador de viola na adolescência. Só conseguiu comprar a primeira sanfona com a ajuda do tio João Bezerra. “Era trabalhador rural e as condições eram difíceis”, conta. Perdeu o pai e a mãe cedo e teve que trabalhar para cuidar de outros irmãos.

Chagas Santos aprendeu a tocar cedo e logo mostrou talento musical. Recebeu forte influência do xote e do baião nos anos de 1960 e 1970.

Na década de 1980, em São Paulo, animou bailes, shows e fez apresentação na TV Cultura, além de trabalhar como garçom e comerciante. De volta a Iguatu, ainda tocou por algum tempo, principalmente na época das festas juninas, mas a partir dos anos 90 dedicou-se somente ao conserto e afinação dos instrumentos que tanto gosta e admira, a tradicional sanfona ou acordeom.

Origem

O primeiro acordeão que chegou ao Brasil era chamado de concertina (instrumento cromático de botão com 120 baixos). O acordeão tornou-se popular principalmente no Nordeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil. Os primeiros gêneros (fado, valsa, polca etc.) retratavam o folclore dos imigrantes portugueses, alemães, italianos, franceses e espanhóis.

Porém, no Nordeste, desde o início do século XX, com a construção da malha ferroviária pelos ingleses, deu-se início ao ritmo forró, no qual um dos instrumentos é o acordeão.



Centro de Memória do Bixiga

acervo: @edisonMARIOTTI

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