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segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Walter Taverna comenta sobre o Poeta, ativista político e artista múltiplo, a trajetória de FRANCISCO SOLANO TRINDADE foi marcada pela valorização da estética negra e da cultura afro-brasileira. Em São Paulo, foi tema da escola de samba Vai-Vai, com enredo elaborado por sua filha Raquel.

Solano Trindade: Para não esquecer de seus poemas

Vinte anos após a abolição da escravatura, em 1908, nascia o recifense Francisco Solano Trindade, filho de sapateiro mulato e de doméstica cafuza. 

A despeito do sangue branco e indígena nas veias, não houve confusão a respeito da raça do menino. Cresceu ouvindo a zombaria:"Oh, meu Deus, matai o Solano. Este negro feio, de beiço grande". 

Era pobre e vivia em uma época difícil para os seus, mas foi capaz de contrariar o determinismo social e econômico para se revelar um ícone da cultura brasileira.

Autodidata, leitor compulsivo, rapidamente tornou-se respeitado por contemporâneos como Carlos Drummond de Andrade. Foi cineasta, pintor, ator de cinema, homem de teatro, militante e, sobretudo, poeta. Hoje, depois de sua morte, a obra de Solano dificilmente é encontrada em bibliotecas ou livrarias. Um dos poucos sinais de sua existência é a estátua erguida no Pátio de São Pedro, Bairro de São José.



A falta de informações foi percebida de perto pelo cineasta recifense Alessandro Guedes, autor do documentário Solano Trindade - 100 anos (2008). "Quem pesquisar no meio acadêmico vai encontrar pouquíssima coisa. Apenas dados fragmentados. Os livros não ganharam novas edições". Para o doutor em letras pela UFPE Élio Ferreira, é preciso fazer uma campanha para ressaltar o poeta. "Solano Trindade foi o grande defensor da cultura negra".

O fio condutor da multiplicidade artística de Solano foi a própria negritude, tema recorrente. Por meio da arte, denunciava discriminações e o racismo."Foi um novo ponto de vista, de um negro compartilhando as experiências e a identidade da raça, que fez surgir a 'literatura negra'", diz a pesquisadora Maria Robevânia Virgens.

Solano é o equivalente brasileiro do poeta norte-americano Langston Hughes, segundo o professor Élio Ferreira. "São escritores centrais, importantes para a poesia da negritude. Mas enquanto Hughes é muito lembrado e respeitado, por aqui Solano Trindade é esquecido". As poesias de Solano estão repletas de referências aos ritmos, costumes, religiões africanas, além de mitos e lendas do povo negro. Ele foi pioneiro ao "ressignificar o ranger dos grilhões, gemidos, murmúrios e silêncios da senzala", acrescenta a doutora em teoria literária Silvana Maria Pantoja.

Conquistas:
Em Pernambuco, criou a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro-Brasileiro. No Rio Grande do Sul, o Grupo de Arte Popular. No Rio de Janeiro, o Comitê Democrático Afro-Brasileiro, o I Congresso Afro-Brasileiro, o Teatro Experimental do Negro, Teatro Folclórico Brasileiro, o Teatro Popular Brasileiro e o grupo de dança Brasiliana.

Livros:
Poemas de uma vida simples (1944)
Seis tempos de poesia (1958)
Cantares ao meu povo (1961)

Poesia
Sou Negro (trecho)
Solano Trindade
Sou negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh’alma recebeu o batismo dos tambores
atabaques, gongôs e agogôs
Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço
plantaram cana pro senhor de engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu

Entrevista - Kleyton Pereira - pesquisador
Primeiro Contato
Quando li pela primeira vez alguns poemas de Solano me senti atraído pela forma como ele misturava uma poesia de excelente qualidade estética com um forte discurso de engajamento, denúncia e valorização do negro na cultura brasileira.

Afro ou Negra?
Atualmente, nos estudos literários brasileiros, há uma discussão bem delicada – e bastante acirrada – sobre a distinção entre a literatura afro-brasileira e a literatura negra. No entanto, considero que a particularização em termos de “negro” ou “afro”, apesar de excludente, servem para caracterizar uma determinada expressão artística e identidade cultural do povo brasileiro. 

Nesse sentido, Solano foi pioneiro em tratar de temas negligenciados na cultura e, de maneira especial, na literatura brasileira, subvertendo hierarquias, cânones, representações e significados de grupos até então silenciados. 

Assim, a literatura afro-brasileira, ou literatura negra, é aquela que, segundo a professora e pesquisadora Zilá Bernd, o sujeito enunciador assume sua condição negra no tecido poético, revogando o lugar tradicional onde o negro era o outro, objeto, e não sujeito.

Contra Estereótipo
Na poesia de Solano Trindade, ficam evidentes os traços de um intelectual ativo interessado em fazer do seu trabalho um elemento decisivo na desconstrução dos estereótipos de passividade e submissão do negro, oriundos de um sistema de representação hegemônico.

Poemas como “Sou Negro”, “Conversa”, “Navio Negreiro”,

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