Meu nome é Walter Taverna.
Nasci no fundo de uma cocheira que meus avós alugavam para animais e, com o decorrer do tempo, meus pais e minha família foram despejados porque não tinham dinheiro para pagar o aluguel.
No dia 24 de dezembro foi quando fizeram o despejo e nós passamos pela rua 13 de Maio. É essa a rua que me marcou e me marca até hoje.
Eu venho lutando de uma forma ou de outra pra manter tudo o que me aconteceu. Nessa época meus pais já tinham sete filhos. Eles eram filhos de imigrantes italianos.
Lembro-me de mim e da minha família no dia 24 de dezembro procurando um local para ficar, uma loucura, ou, pelo menos, um lugar para pernoitar. Foi tudo muito difícil, mas conseguimos encontrar.
Ficamos alguns dias no lugar, mas logo depois a minha mãe ficou doente e a internaram no Juquery. Quando isso ocorreu, parece que explodiu toda a família. Cada um foi para um lado.
Eu fiquei aqui com a idade de 9 anos, tentando ver se ficava com algum parente. Acabei ficando com uma tia minha, com quem morei alguns dias.
Fui jogar bola no quintal da casa dela e tive a infelicidade de quebrar a vidraça, e o marido dela, que era muito bravo e nervoso, pegou eu e as minhas trouxinhas e jogou na rua.
Eu tentei arranjar outros lugares para ficar, mas não consegui, porque eu também não era muito bonzinho. Então, eu fiquei pernoitando nas ruas, de um lado para o outro, por cinco meses, até que eu consegui, com muito sacrifício, fazer uma caixa de engraxate, que me deu condições para que eu pudesse me alimentar.
Eu trabalhava dia e noite, principalmente nas madrugadas, quando eu ia para a Av. São João, onde a gente tinha a chance de engraxar sapatos. Antigamente todo mundo fazia isso. Eu tomava banho em uma bica perto de lá.
Depois de um tempo uma tia minha soube que eu estava na rua e foi me procurar. Eram 11 horas da noite, e eu estava descansando na escadaría dos Ingleses quando ela bateu nas minhas costas e disse: "Vamos para casa."
Então, ela me levou para a casa dela, na Vila Mariana. Depois de dois anos ela veio morar no Bexiga e me trouxe junto. A partir daí, como eu ficava na casa dela, ela disse que eu teria que estudar, mas eu nunca gostei de estudar.
Eu achava que estudar era um inferno e não consegui estudar. Então, ela disse: "Você vai ter que aprender uma profissão." Em frente à casa dela havia uma barbearia. Foi então que aprendi a profissão de barbeiro, com 10 para 11 anos.
Aí eu me dediquei muito, pois me interessei por essa profissão. Fui barbeiro, e com 16 para 17 anos consegui comprar a minha primeira barbearia, onde eu passei a trabalhar.
Um tio meu me emprestou dinheiro, que eu dei de entrada na barbearia e comecei a trabalhar. Por uma grande infelicidade, a prefeitura quis alargar a rua e eu fui desapropriado. Fiquei outra vez sem saber o que fazer.
Um amigo me disse que na Conselheiro Carrão seria inaugurado um prédio e que dentro dele teria um armazém. Ele me aconselhou a conversar com o proprietário e, de fato, me deu uma boa idéia. Eu conversei com o proprietário e ele aceitou que eu alugasse aquilo, mas a minha intenção era procurar a minha família.
Procurei meus irmãos e a minha mãe, e consegui tirá-la do hospício e colocar todo mundo dentro daquele armazém, mas não abri a barbearia. Não tinha como fazer e eles não tinham onde morar. Eu peguei uma maleta de ferramentas e comecei a fazer barba e cabelo em domicílio. Eu pensava: "Eu quero ganhar dinheiro de todo jeito.'
Fui convidado a fazer maquiagem em defunto. Fiquei três meses nessa história de pôr sapato em defunto, meia em defunto, deixar ele bonitinho, colocar pó de arroz, e depois desisti. Eu tinha 17 para 18 anos, e eles pagavam bem, mas...
Depois fui tentar ser tapeceiro. De tapeceiro passei a marceneiro, e também fui decorador, mas não entendia nada dessas profissões.
A de decorador, comecei a exercer por eu ser tapeceiro. Uma senhora me perguntou se eu conhecia algum decorador, e eu respondii:
"Tá falando com um!"
E ela me convidou para ir à casa dela. Foi então que eu disse: "A primeira coisa que eu quero fazer é reunir toda a família".
Eu queria dar uma de grande.
Ela reuniu a família e eu fui uma noite lá e expliquei o que ela queria saber, dei algumas idéias. Eu tinha me preparado pra não falar nada errado, e quando eu fui a casa dela, fiquei sabendo que ela era vizinha do cantor Agnaldo Rayol.
Ela acreditou em mim e falou: "Olha, nós vamos viajar, você fica com a chave e o que você achar que deve fazer, você faz." (rindo) Eu decidi tirar a parede, mas quando fui tira-la, caiu o telhado. Que azar miserável!
Eu consertei na medida do possível. Quando ela chegou de viagem com a família, eu pensei: "Acho que ela não vai perceber." Mas ela veio até mim e perguntou: "E aquele teto meio caído?" Eu respondi: que faz parte da decoração." Eu consegui convencê-la, mas não via a hora de me dar o cheque para que eu pudesse sair correndo.
Depois eu tive uma sessão de escultura, fazia o Magnata e até uma porta de entrada de oitenta e cinco mil dólares, eu esculpi. A porta tinha 600 kg, 25 cm de espessura, tudo feito à base de pinus. Especializei-me em escultura.
Eu casei com 23 anos. Ela era de Pinheiros e trabalhava como empregada. Um dia fui ao cinema com ela e voltei às 23h30. Quando estávamos entrando na casa dela, um carro com quatro pessoas parou. Elas me atacaram e me assaltaram. Eu consegui jogá-la dentro de casa e levei uma surra, me rasgaram toda a roupa e falaram pra mim: "O que você prefere? Um tiro ou um beliscão de alicate?" Eu fiquei quieto e tive a sorte de ter entrado uma ambulância e eles terem achado que era polícia e se mandado.
Não sei o que houve exatamente nessa época, mas meu pai ficou preso por dois anos. Nós conseguimos advogado e o tiramos da prisão. Quando marcaram o dia para ele sair e nós fomos buscá-lo, ele não queria sair da cadeia. Ele dizia: "Não quero ir, porque eu sou cozinheiro da cadeia e tem um preso que me deve um filé a parmegiana. O outro me deve um sapato."
E eu disse: "Pai, vamos embora." Convenci ele. Isso aconteceu em 1958 e, a essa altura, eu já tinha alugado um galpão para eles morarem.
Em 1964, como meu pai era cozinheiro, eu peguei gosto.
Certo dia, meu pai resolveu levar minha mãe e minhas irmãs para passear em São Roque, na festa do vinho, e eu não sabia. Eram 9h da manhã. As 1 lh da manhã me deram a notícia de que tinha ocorrido um acidente com eles.
Perdi meu pai, minha mãe, minhas irmãs e minhas sobrinhas. Ao todo, foram seis pessoas. Aquilo acabou com a minha vida.
Em 1975 meu filho foi seqüestrado, levaram ele para Avaré, e ele conseguiu fugir de uma casa de madeira. Em 1978 ele foi mexer em uma arma. Não sei o que houve, mas a arma disparou e ele morreu.
Foi uma tragédia miserável. Ele foi levado para o Hospital São Paulo. Quando fui falar com o médico, lembro que ele bateu nas minhas costas e disse; "Infelizmente seu filho não tem mau salvação."
Aquilo me derrotou de uma maneira maluca, eu não sabia para que lado eu ia. Fiquei um tempo desequilibrado, comecei a dormir em um carro que tinha. Antes de tudo isso eu já tinha perdido um filho recém-nascido.
Naquele tempo eu tinha uma indústria de móveis, mas fazia decoração também. Depois que meu filho faleceu, eu fechei a fábrica, que tinha muitos funcionários. Depois disso, perdi casa, perdi tudo.
De 1982 para 1983 eu quis abrir uma cantina em homenagem ao meu pai no Bixiga, mas depois de quatro meses fui despejado.
Em 1978 tinha uma senhora aqui no bairro que se chamava Conchetta,e eu dizia que se um abrice algo, ia pôr o nome dela. Quando eu contava algum segredo para eia, depois de meia boca todo hmundo já estava sabendo.
Eu abri umas quatro Conchettas. Fui presidente da associação no bairro do Bíxigs e da festa da igreja.
Nessa ocasião, fui atrás e consegui da prefeitura na época apoio para montar 20 barracas para arrecadar dinheiro para fazer uma creche.
Naquele tempo eu tinha seis pessoas que me ajudavam. Hoje tenho mais de 900 e ainda existe a mesma festa, que é a de Nossa Senhora da Acheropíta.
Por ser presidente, comecei a trabalhar em benefício da comunidade, mas eu estava desorientado, não sabia o que fazer.
Um dia fui convidado por um médico alemão para ir me tratar com ele, que disse que ia me dar um remédio para eu ficar bom. Ele me disse que esse remédio era o trabalho: Hoje eu trabalho 18 horas por dia. Todos os dias.
Não fico em casa de jeito nenhum. No meu restaurante eu faço o show de panelas. Sei cozinhar e fazer um monte de coisas.
Além das festas do Bixiga, em 1985, um amigo e eu tivemos a idéia de fazer o bolo para o aniversário de São Paulo. Pedimos para comunidade nos ajudar, mas ninguém ajudou. Nós demos um jeito e saiu a festa.
Depois comecei a inventar e fiz o maior sanduíche do mundo, com 600 metros, e a maior pizza, com 453 metros, em cima do minhocão. Aquilo foi parar no Guiness Book como recorde mundial. Hoje nós temos quatro recordes e, se aparecer mais alguma coisa, eu sou capaz de entrar em campo.
Sou eu que organizo os concursos da rainha do Bixiga, de anão, dos sósias. Tem muita festa que a gente faz.
Eu sempre achei que eu deveria ser ministro ou presidente de alguma coisa.
Por isso, eu mesmo fiz a associação e eu mesmo me nomeei como Ministro da República de Vila Mariana. E acabou a história.
Fiz também a bandeira de Vila Mariana. Consegui fazer o tombamento do Instituto Biológico e da Casa Modernista.
Fiz uma série de coisas para homenagear esse bairro. Por ele ter me recebido quando eu tinha 9 anos, achei que tinha a obrigação de fazer algo.
Em 1987 eu era presidente da Associação do Bixiga e a especulação imobiliária ia comprar o bairro, estava barato. Fiz um projeto, encaminhei para a prefeitura e pedi o tombamento de uma área, mas ninguém me respondeu.
Em 2002 o bairro foi tombado. As pessoas ficaram com raiva de mim porque pensavam que tombamento consistia em derrubar a casa (rindo), e já venho lutando há mais de 50 anos sozinho pelo bairro. Ganhei muitas medalhas, medalha da Câmara, medalha Anchieta, e isso faz com que eu fique grato.
Para os que me pedem, eu estou sempre à disposição. O coração e o marcapasso.
Eu estava cansado e me indicaram o médico do coração.
Ele me examinou e disse que eu tinha que colocar um marcapasso.
Eu nem sabia o que era isso, mas deu tudo certo e hoje tenho essa mercadoria no corpo.
Faço o que quero, canto, brinco. Jogo futebol, faço tudo. Eu passei por tantas coisas na vida e tudo isso me deixou triste. Tive que procurar um médico mesmo e colocar o marcapasso. Já faz quatro anos que o coloquei e meu coração está batendo direitinho, tanto que eu nem lembro que uso marcapasso.
Todos os dias eu acordo, tomo banho, tomo café da manhã e venho trabalhar.
Trabalho 18 horas por dia para poder orientar meus 33 funcionários.
Eu bato tampa de panela ao meu restaurante. Deixa eu contar como começou: há alguns anos eu era garçom e eu estava com as bandejas na mão, escorreguei, caí e todo mundo que estava nas mesas começou a bater palma.
Aí pensei: "Esse é o caminho para ganhar meu pão de cada dia." Então peguei duas tampas de panelas e comecei a fazer o meu show. Vem gente de tudo quanto é lado para ver isso. Eu não acho que tem graça, mas o pessoal gosta. Vou fazer o que, né?
Eu também tenho um sino no meu restaurante, que é uma tradição italiana.
Ele tem os números 1,2 e 3, Você pode pedir para ficar rico, pedir pela família, e, em seguida, bater o sino. Tem dado resultado.
Eu acho que se pudesse dar um conselho para as pessoas, eu diria a elas para trabalhar, trabalhar e trabalhar. Aquele que fica fechado, aposentado dentro de casa, morre logo e não tem nada para fazer.
Para não deixar as lembranças morrerem, eu fiz, no Bixiga, o Centro da Memória. O objetivo desse centro é preservar a memória do bairro, o que ajuda bastante o bairro a ser lembrado, pois quem não tem história, não tem memória, não tem nada. Isso é muito importante.
vídeo 3:00 min
fonte: Centro de Memória do Bixiga - acervo @edisonmariotti #edisonmariotti
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