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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Walter Taverna, na FOLHA na entrevista com Edson Celulari sobre o filme rodado no Bixiga.

Edson Celulari engorda 16 kg para viver cego em filme rodado no Bixiga

Edson Celulari

"É o Edson Celulari?", pergunta uma senhora, limpando as vistas, ao encontrar uma equipe de filmagem no meio da rua no Bixiga, na região central de São Paulo. Sim, é o ator, 16 kg mais gordo, quem anda por ali de boina, com a cabeça inclinada, o olhar meio perdido e uma bengala.

Edson Celulari - foto: Bruno Poletti/Folhapress

Além das velhinhas que saem de um centro de convivência da terceira idade, moradores das redondezas estão ouriçados. Ficam do outro lado tirando fotos com o celular e se debruçam nas janelas para ver Celulari rodar suas últimas cenas como o pizzaiolo cego Vitório, seu papel no filme "Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos".


"Eu vivia por aqui", diz ele ao repórter Joelmir Tavares, enquanto caminha observando os sobrados e a igreja Nossa Senhora Achiropita. "Era pro Bixiga que eu vinha quando me mudei para São Paulo", ele segue contando, ao sentar numa tradicional cantina do bairro. Tinha 18 anos na época, quando saiu de Bauru para estudar na Escola de Artes Dramáticas da USP. Naquele fim dos anos 1970, envolvido no movimento estudantil, chegou a ser fichado pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social), órgão do regime militar.

"Eu tinha amigos que moravam aqui. Um era artista plástico, o Neneco. E aí tinha aquele clima. A gente punha a mesa pro lado de fora, tomava cervejinha, os amigos iam passando. Era possível isso. Hoje a gente não vê mais..."

"Conheço essa figura!", diz Walter Taverna, 82, o dono da cantina, interrompendo o cliente famoso para puxar conversa. "Sua mulher já veio aqui", continua o empresário, referindo-se à atriz Claudia Raia, 49. Celulari, que se separou dela em 2010, dá um riso meio sem graça.

Chega a massa que o ator vai manusear ao posar para as fotos. Do tipo que "adora comer, mas não tem talento nem paciência para preparar comida", ele exibe algumas das habilidades adquiridas com o papel no longa: pega o rolo, abre a massa, explica como ela é feita. "Já posso te contratar!", grita seu Walter lá do fundo. "Será? Será que vale a pena? Sou palmeirense, hein? Já é um bom começo", responde Celulari.

A preparação para o filme incluiu uma espécie de estágio numa pizzaria no Rio, onde mora. "No início algumas pizzas queimaram, ficaram cruas", relembra. Depois que passaram a ficar boas, começou a fazer de olhos fechados.

"O cego marca a distância de tudo. Então se o telefone está aqui [apalpa o celular na mesa], ele tem que estar aqui sempre, para ser encontrado." Aprendeu a calcular o espaço entre os objetos, entre o forno e o balcão... Foi também a Brasília tomar lições com Ocacyr Júnior, um pizzaiolo cego. E o ponto? "Você tira do forno, aproxima a palma da mão para medir a temperatura, sente o cheiro e conclui se a massa está assada ou não."

Como parte do ensaio, o ator chegou a passar oito horas fazendo tarefas rotineiras de olhos fechados. Também conheceu no Rio várias pessoas com deficiência visual. Além da atenção ao ouvir e da sensibilidade, observou que outro traço comum é a tensão física. No personagem, ela se manifesta no tronco rígido.

"Mas pra mim não interessa dizerem que o cego do Edson está bom. Se me falarem que o cego do Edson emociona, aí nós ganhamos. Aí temos o filme e a história. A técnica tem que estar em segundo plano, mas tem que ser crível, senão distancia o espectador."

Aos 58 anos de idade e 39 de profissão, Celulari quer mais papéis assim, que exijam estudo e dedicação. "Se eu fosse um atleta, deveria estar muito preocupado [com o envelhecimento]. Sendo ator, acumulo a experiência para uso profissional. Posso utilizar a minha idade, a vivência, o cansaço. Que bom que as coisas mudam, e que as rugas aparecem, e que isso pode ser útil ao meu ofício."

O ator se diz "exausto" após três semanas trabalhando 12 horas por dia nas filmagens. "Mas pleno de coisas novas, de aprendizado. Eu tô maior do que eu já tô [risos]."

Com 1,83 m de altura, ele chegou a 100 kg por causa do papel. "Na pesquisa, vi que boa parte dos cegos com idade perto da minha está acima do peso." Foi ao médico e fez uma dieta para engordar que incluía seis colheres de mousse de chocolate meio amargo na sobremesa do jantar.

Parou com as caminhadas na esteira e as voltas de bicicleta na praia. Teve até que tomar remédio por causa de alteração no colesterol. "Sou um ser disponível à mutação. Esse tipo de experiência me move para o próximo [trabalho]. Next! Eu quero o próximo!"

Na Globo, o ator, que fazia uma novela atrás da outra nas décadas de 1980 e 1990, está fora do ar há um ano, desde o fim da trama das sete "Alto Astral". No ano que vem ele fará uma história da autora Gloria Perez. "As novelas precisam manter sua estrutura clássica. É o folhetim, personagens claros, definidos. Acho ótimo também fazer séries e minisséries, mas não dá para misturar as linguagens. A modernidade está em fazer novelas com histórias que caibam no formato de novela."

Celulari tem contrato fixo com a emissora. "Mas acho que também seria saudável se não tivesse contrato, fosse por obra certa. Seria saudável que a gente tivesse concorrência nesse mercado." Cada vez mais disposto a ser também produtor de seus trabalhos (como faz no filme atual), ele adiou os planos de uma peça por causa da "crise econômica e política" no país.

Com seu jeito polido de falar e a voz firme, diz que busca "o verdadeiro sustento artístico" no dia a dia. "Esse glamour que criam ao redor é para muito raramente." A fama, sobretudo nos 17 anos de união com Claudia Raia, o colocou diante da "necessidade de consumo da pessoa pública", como define. "Aprendi a lidar, a ter uma relação profissional." Nos dois dias no Bixiga, foram muitos os pedidos de selfies nos intervalos.

Para momentos de pressa, Celulari até desenvolveu uma técnica: "Se eu tô andando na rua atrasado e vejo uma senhorinha me reconhecendo, eu me adianto e falo: 'Como vai a senhora?'. Antes que ela diga qualquer coisa [risos]! Aí ela fica feliz, e eu sigo".

Hoje casado com a atriz, cantora e bailarina Karin Roepke, 33, o ator compartilha com Claudia a criação dos filhos, Enzo, 19, e Sophia, 13. Eles se mudaram com a mãe do Rio para SP neste ano.

Sophia, que gosta de dança e teatro, "possui muita energia e tem a mãe como espelho", conta o pai. "Ela já quis ser escritora, aí passou uma semana e queria ser advogada [risos]." Enzo faz administração na Faap, mas, por tocar bateria e violão e compor, pensava em ser músico.

"Até que viu a realidade", diz Celulari. "Ele descobriu o cachê de quem toca na noite. 'Só isso, pai?' [arregala os olhos e faz cara de decepção]. Depois de algum tempo: 'Eu não quero criar uma música, gravar um disco e depois ficar tentando vendê-lo'. Aí disse que preferia ser dono do próprio negócio relacionado à música, e que ia fazer administração."


fonte:
---> mônica bergamo

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2016/05/1768544-edson-celulari-engorda-16-kg-para-viver-cego-em-filme-rodado-no-bixiga.shtml - 08/05/2016  02h00

acervo: CMB -  @edisonmariotti


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