Nascido no Bixiga, em 1933, o dono de cantinas luta há 30 anos pelo bairro.
Taverna criou um museu para que história do lugar não seja esquecida.
Walter Taverna na Cantina da Concheta no Bixiga (Foto: Silvia Ribeiro/G1)
“Minha história é meio triste um pouco, mas dá para encarar.” Com sotaque arrastado, típico do Bixiga, Walter Taverna, de 74 anos, faz a ressalva e começa a contar sua história em uma mesa da sua Cantina da Concheta, na Rua Treze de Maio, na região central de São Paulo. Foi nesta rua que o guardião da memória do bairro nasceu, sofreu - chegou a ser abandonado na infância e perdeu a família e um filho - e venceu.
Confira a trajetória de Walter Taverna em imagens
O depoimento de Seu Walter é pontuado por pausas emocionadas. Mas ele continua em frente, como se expurgasse as dores do passado. Ao final, a gente entende o esforço: ironicamente, foram as fatalidades que o transformaram no zelador das tradições do Bixiga.
Um breve giro pelo bairro explica o porquê de o amigo do compositor Adoniran Barbosa ter tanto apego ao lugar: sua história se confunde com a do Bixiga. Na porta de um galpão, no número 703 da Rua Treze de Maio, Seu Walter pára, espia e sorri. “Foi aqui que eu nasci, em 1933, no fundo da cocheira dos meus avós, que eram sicilianos.”
Mais adiante, na Rua Fortaleza, ele topa com o armazém que abrigou sua primeira cantina Dom Carmelo, homenagem ao pai, vítima de um acidente de carro que também matou a mãe, três irmãs e uma prima. “Meu pai alugou um carro na frente do Cine Rex. Um caminhão desgovernado foi para cima do carro”, relembra, sem conter as lágrimas.
Com passos rápidos, Seu Walter atravessa a rua e sobe a escadaria do Bixiga, batizada com o nome do filho, Júnior, também vítima de um acidente. Um disparo acidental tirou a vida do rapaz, enquanto ele manuseava um velho revólver em 1978.
“Aquilo me desequilibrou. Fechei minha fábrica de móveis e passei a andar pelo bairro, como se procurasse algo para me confortar.” Um médico indicou a terapia: trabalho 24 horas por dia. Seu Walter seguiu a receita à risca e, desde então, não parou mais.
Livro Guinness
Um dos fundadores da Sociedade de Defesa das Tradições e Progresso da Bela Vista, ele se dedicou a obras sociais do bairro – foi o responsável por transferir da igreja para as ruas a popular Festa de Nossa Senhora Achiropita – e a benfeitorias, como a construção da Praça Dom Orione, onde aos domingos há feira de antiquários.
Walter Taverna posa ao lado de busto do amigo Adoniran Barbosa (Foto: Silvia Ribeiro/G1)
Tem quatro recordes mundiais no currículo - os maiores bolo (1,5 km), filão de pão (600 m), sanduíche de mortadela (600 m) e pizza (454 m). Logo na estréia, há 23 anos, o bolo na Rua Rui Barbosa alcançou 1,5 km – agora, a extensão acompanha a idade da cidade. Seu Walter chegou a vender um apartamento e um carro só para fazer a festa.
Até concursos de anões e sósias Seu Walter organizou para divulgar o bairro e, nas palavras dele, “dar um pouco de lazer para o povão”. Os eventos atraem os holofotes, mas também enfrentam resistência de comerciantes locais. Um dos mais polêmicos foi o que levou varais de roupas à Rua Rui Barbosa em homenagem às famílias italianas.
Um abaixo-assinado de moradores e comerciantes fez com que a prefeitura retirasse a decoração. Irritado, Seu Walter falou até com o então prefeito Mario Covas e conseguiu recolocá-los. Exultante com a “vitória”, atacou de compositor e escreveu a “Música do Varal”. Na mesma noite, de uma tacada só, também nasceu o hino do bairro, o samba-enredo “Bixiga, Amore Mio”.
Atualmente um dos maiores medos de Seu Walter é que a história do lugar, e a dele, sejam esquecidas. Para afastar as incorporadoras que rondavam o Bixiga, ele pediu o tombamento de quatro mil casas (906 imóveis já foram tombados). Mas, para o caso de “as leis se modificarem de um dia para o outro”, criou o Centro de Memória do Bixiga (Rua Treze de Maio, 561), onde pessoalmente narra as histórias do bairro.
Em suas 18 horas diárias de trabalho – o zelador do Bixiga administra quatro cantinas -, ainda há espaço para sonhar com um “calçadão 24 horas” na Treze de Maio. O projeto não foi bem aceito, mas ele não se acanha. “Eu não sei se vou conseguir fazer isso aí, mas boa vontade eu tenho. Se ninguém se interessar, o Bixiga pode se acabar aos poucos. O idealista vai até o fim.”
Taverna criou um museu para que história do lugar não seja esquecida.
Walter Taverna na Cantina da Concheta no Bixiga (Foto: Silvia Ribeiro/G1)
“Minha história é meio triste um pouco, mas dá para encarar.” Com sotaque arrastado, típico do Bixiga, Walter Taverna, de 74 anos, faz a ressalva e começa a contar sua história em uma mesa da sua Cantina da Concheta, na Rua Treze de Maio, na região central de São Paulo. Foi nesta rua que o guardião da memória do bairro nasceu, sofreu - chegou a ser abandonado na infância e perdeu a família e um filho - e venceu.
Confira a trajetória de Walter Taverna em imagens
O depoimento de Seu Walter é pontuado por pausas emocionadas. Mas ele continua em frente, como se expurgasse as dores do passado. Ao final, a gente entende o esforço: ironicamente, foram as fatalidades que o transformaram no zelador das tradições do Bixiga.
Um breve giro pelo bairro explica o porquê de o amigo do compositor Adoniran Barbosa ter tanto apego ao lugar: sua história se confunde com a do Bixiga. Na porta de um galpão, no número 703 da Rua Treze de Maio, Seu Walter pára, espia e sorri. “Foi aqui que eu nasci, em 1933, no fundo da cocheira dos meus avós, que eram sicilianos.”
Mais adiante, na Rua Fortaleza, ele topa com o armazém que abrigou sua primeira cantina Dom Carmelo, homenagem ao pai, vítima de um acidente de carro que também matou a mãe, três irmãs e uma prima. “Meu pai alugou um carro na frente do Cine Rex. Um caminhão desgovernado foi para cima do carro”, relembra, sem conter as lágrimas.
Com passos rápidos, Seu Walter atravessa a rua e sobe a escadaria do Bixiga, batizada com o nome do filho, Júnior, também vítima de um acidente. Um disparo acidental tirou a vida do rapaz, enquanto ele manuseava um velho revólver em 1978.
“Aquilo me desequilibrou. Fechei minha fábrica de móveis e passei a andar pelo bairro, como se procurasse algo para me confortar.” Um médico indicou a terapia: trabalho 24 horas por dia. Seu Walter seguiu a receita à risca e, desde então, não parou mais.
Livro Guinness
Um dos fundadores da Sociedade de Defesa das Tradições e Progresso da Bela Vista, ele se dedicou a obras sociais do bairro – foi o responsável por transferir da igreja para as ruas a popular Festa de Nossa Senhora Achiropita – e a benfeitorias, como a construção da Praça Dom Orione, onde aos domingos há feira de antiquários.
Walter Taverna posa ao lado de busto do amigo Adoniran Barbosa (Foto: Silvia Ribeiro/G1)
Tem quatro recordes mundiais no currículo - os maiores bolo (1,5 km), filão de pão (600 m), sanduíche de mortadela (600 m) e pizza (454 m). Logo na estréia, há 23 anos, o bolo na Rua Rui Barbosa alcançou 1,5 km – agora, a extensão acompanha a idade da cidade. Seu Walter chegou a vender um apartamento e um carro só para fazer a festa.
Até concursos de anões e sósias Seu Walter organizou para divulgar o bairro e, nas palavras dele, “dar um pouco de lazer para o povão”. Os eventos atraem os holofotes, mas também enfrentam resistência de comerciantes locais. Um dos mais polêmicos foi o que levou varais de roupas à Rua Rui Barbosa em homenagem às famílias italianas.
Um abaixo-assinado de moradores e comerciantes fez com que a prefeitura retirasse a decoração. Irritado, Seu Walter falou até com o então prefeito Mario Covas e conseguiu recolocá-los. Exultante com a “vitória”, atacou de compositor e escreveu a “Música do Varal”. Na mesma noite, de uma tacada só, também nasceu o hino do bairro, o samba-enredo “Bixiga, Amore Mio”.
Atualmente um dos maiores medos de Seu Walter é que a história do lugar, e a dele, sejam esquecidas. Para afastar as incorporadoras que rondavam o Bixiga, ele pediu o tombamento de quatro mil casas (906 imóveis já foram tombados). Mas, para o caso de “as leis se modificarem de um dia para o outro”, criou o Centro de Memória do Bixiga (Rua Treze de Maio, 561), onde pessoalmente narra as histórias do bairro.
Em suas 18 horas diárias de trabalho – o zelador do Bixiga administra quatro cantinas -, ainda há espaço para sonhar com um “calçadão 24 horas” na Treze de Maio. O projeto não foi bem aceito, mas ele não se acanha. “Eu não sei se vou conseguir fazer isso aí, mas boa vontade eu tenho. Se ninguém se interessar, o Bixiga pode se acabar aos poucos. O idealista vai até o fim.”
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