Aos 79 anos (2011), Walter Taverna é, antes de tudo, um sobrevivente. Ou, se vocês preferirem, um resistente ao qual couberam as ruas do Bixiga como campo de luta. Por ali já morou ao relento, foi menino engraxate, tornou-se barbeiro aos 15 anos e acabou se ajeitando na vida, como acontece em algumas canções de Adoniran Barbosa.
Hoje possui três restaurantes no bairro, todos italianos, para ser fiel à tradição do local, (quem arriscaria servir outro tipo de comida lá?) e à sua própria origem, de raízes sicilianas. Mas no momento seus embates são mais amenos e até curiosos. Ontem, por exemplo, no aniversário de 457 anos São Paulo, ele combateu com farinha de trigo, ovos, leite, açúcar e tudo mais que possa entrar em uma guloseima.
É uma batalha à qual se dedica há três anos, desde quando foi impedido de fazer, e oferecer gratuitamente, o célebre bolo gigante, que desde 1985 participava dos festejos da Cidade. Talvez vocês ainda se lembrem dele. Origem - Bancado por Taverna, começou com 431 metros de comprimento, correspondente aos anos da de São Paulo na ocasião, para ir crescendo um metro a cada aniversário, de acordo com o projeto inicial.
Com o passar do tempo, foi agregando patrocinadores, até chegar à interrupção, aos 454m em 2008, devido à fuga das empresas, preocupadas com o rumo da distribuição.
É que nas últimas edições vinha-se avolumando a disputa pouco civilizada entre os beneficiados, fartamente mostrada nas televisões, traduzida em guerra de bolo e outros desperdícios.
Recheios e glacê - Em vez de acabar com a festa, "seu" Taverna, como é conhecido, voltou a custeá-la do próprio bolso, fazendo uma correção de rota indispensável para evitar a bagunça: pedaços de bolo devidamente embalados e entregues em mãos, em vez de permitir o avanço desordenado das milhares de pessoas, como ocorria antes, que resultava naquela orgia de recheios e glacê. Ontem, foram 10 mil, sabor laranja e chocolate, oferecidos a partir do meio-dia.
Na verdade, os bolos foram parte de uma vasta programação que teve música, encontro de sósias de celebridades e apresentação das candidatas a Miss Bixiga/2011. Tudo isso foi organizado pela Sociedade de Defesa das Tradições e Progresso da Bela Vista, da qual Taverna é presidente.
Homenagem - "Eu nasci aqui no Bixiga, gosto daqui. Eventos como esse são uma forma de festejar com a população, agradecer a São Paulo e homenagear meu amigo Armadinho´, diz ele. Taverna está se referindo a Armando Pugliese (1931-1994) uma espécie de mestre-de-cerimônias do bairro e criador, entre outras coisas, do Museu do Bixiga.
Não por acaso, foi lembrado com destaque no samba-enredo ´Vai no Bixiga Pra Ver ", da Escola de Samba Vai-Vai, no Carnaval dos 450 anos de São Paulo.
"Balbúrdia" - É curioso que os maus momentos vividos na infância não interfiram na paixão de Taverna pelo lugar, a ponto de inventar tanta festa. É verdade que ele se comove ao lembrar-se dos meses de morar na rua, quando sua família foi despejada por não poder pagar o aluguel. Mas parece que ele encontrou recursos pessoais para exorcizar as recordações dolorosas.
Um deles é o "Funiculi, Funiculá", título que emprestou da famosa canção napolitana. Trata-se se uma espécie de concerto à base de tampas de panela, inclusive aquelas industriais, com um metro de diâmetro promovido em certa hora da noite nos seus restaurantes.
É uma balbúrdia ruidosa, como convém às cantinas da “buona gente”. (M.M.)
Na página 10, mais sobre os 457 anos de São Paulo
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Sem bagunça: este ano, o bolo do Bixiga veio embrulhado em pedaços e foi entregue em mãos.
Festa do Bixiga distribui 10 mil pedaços de bolo. Walter Taverna banca manutenção de uma tradição num dos bairros italianos de SP.